Como Dredge corrompe uma “pescaria agradável” em um “horror cósmico”


Sua jornada começa no raiar do dia. O sol nasce enquanto você navega, seu reflexo cintilante dançando nas ondas suaves da baía. Cardumes abundantes de peixes podem ser vistos através da superfície cristalina enquanto você olha para a água abaixo. Esse é um bom dia de pesca. E os habitantes da cidade estão com fome.


Dredge começa com esses dizeres aí em cima, colocando você no comando de um barco logo nos primeiros minutos.

A cena é pitoresca: nossa água brilhante e estilizada ondula contra as ilhas com suas árvores balançando ao vento. Logo depois, os sons esparsos de piano se juntam aos gritos das gaivotas no céu.

Você será perdoado por pensar que está em um lugar feliz.

O sol se põe pontualmente às seis horas e a névoa desce logo depois. É bom que qualquer pescador deixado na água tenha boa iluminação, ou então nunca conseguirá voltar a um porto seguro.

Uma Pescaria de Horror Cósmico

No início, Dredge se apresenta como um jogo de pescaria e a premissa é simples: pesque e venda peixes, depois melhore seu equipamento. Você vai querer investir em seu barco, já que poderá equipar motores mais rápidos, hastes melhores e armazenas mais peixes – tudo em um inventário em forma de grade que cresce com sua embarcação.

Dinheiro pode parecer importante, mas o seu recurso mais valioso é mesmo o tempo. Enquanto veleja por aí, um ciclo de dia e noite acontece, e é algo para ficar atento.

Embora seja mais provável que você pegue espécimes valiosos e corrompidos no escuro, encontros místicos também são mais frequentes – particularmente em águas profundas. Você também pode se deparar com criaturas maiores e mais hostis que podem ser superados (por meio de habilidade) ou evitados (por meio de uma embarcação suficiente atualizada) em vez de desarmados.

As cidades dilapidadas que você encontra são o lar de residentes peculiares com pedidos ainda mais estranhos.

Tentamos transformar cada recurso que pode parecer familiar em algo inesperado, para que, desde o início, você sinta que algo sinistro espreita sob a superfície. Nós colocamos alguns aspectos no jogo para deixar a atmosfera inquietante. Neste artigo, vou me aprofundar nas formas pelas quais conseguimos fazer isso e abordar como cada elemento contribui para a experiência geral.

Uma Estética Bruta

O visual do jogo vai parecer familiar para fãs de jogos de exploração e aventura divertidos – e é aqui que nosso subterfugio começa. O que pode parecer modelos “low-poly” são, na verdade, super detalhados, com bordar irregulares e formas esculpidas para acentuar sombras falsas. Um tom de cor escuro e sombrio sustenta o mundo, compensando qualquer calor das cores vibrantes do sol.

É crucial lembrar visualmente aos jogadores que algo inesperado pode acontecer a qualquer momento, mesmo que tudo pareça calmo na hora.

Adicionamos bordas angulares aos retratos dos personagens – reminiscentes de tinta aplicada por espátula – deixando padrões ásperos em seus rostos para combinar com seus diálogos já espinhosos. Essa mesma geometria é refletida nas nuvens; coisas normalmente leves e fofas, aqui as tornamos afiadas e que mudam entre formas quebradas.

Esse mundo não quer você por perto. Não foi feito para você, mas você vai explorar mesmo assim

O clima pode ser tão imprevisível quanto as pessoas que você conhece. Dias nublados podem se transformar em tempestades estrondosas, causando ondas altas que retardam seu retorno ao porto. Nesse sentido, a própria civilização é escassa e muitas estão em ruínas, e faz sentido que outras pessoas nesse mundo estejam sofrendo tanto quanto você e há muitos anos. Essa paisagem desolada só aumenta a sensação de isolamento e desespero que permeia o jogo.

Quando você desse sua linha para pegar algum peixe, distanciamos a câmera para bem longe do seu barco, mostrando as profundezas escuros abaixo. Ao fazermos isso, convenientemente eliminamos sua visão periférica. Afinal, você está focado pescando.

À noite, trazemos uma névoa opressiva que fica em sua volta, deixando você com mais nada do que um círculo de visão para navegar por entre pedras e outros perigos. As silhuetas que você vê por essa névoa podem ser reais ou não – e não tenho certeza qual das duas opções é pior.

Esse mundo não quer você por perto. Não foi feito para você, mas você vai explorar mesmo assim.

Sem Desperdiçar Palavras

No mundo de Dredge, as pessoas são eficientes e práticas. Como resultado, nós garantimos que os diálogos refletem esse modo de vida. Cada linha de diálogo tenta alcançar pelo menos dois desses três objetivos:

  1. Dar a você uma instrução
  2. Acrescentar algo para a história do mundo
  3. Carregar um tom sinistro, suspeito ou estranho

Apesar da importância do diálogo em Dredge, entendemos o valor de ser breve, e não queremos te tirar da jogabilidade por muito tempo. Para evitar que você fique sobrecarregado, a maioria das conversas são opcionais e poder ser puladas se você quiser. O próprio mundo deve falar mais por si só, e as pessoas aqui não estão muito a fim de fofoca mesmo.

Esses personagens também não possuem nomes e sim papeis, como “O Peixeiro” ou “O Prefeito”. Você não iria querer se familiarizar com eles, porque eles não são seus amigos.

Essa atmosfera também aparece nas descrições dos itens, particularmente dos peixes. Espécimes corruptas e estranhas que você coloca a bordo podem te dar uma noção de onde eles vieram e por quê.

Nossa narrativa não termina nos limites do jogo, claro. A descrição das Conquistas e as músicas da trilha sonora adicionar uma perspectiva diferente e dão nomes a coisas que não eram conhecidas ou que eram indescritíveis no jogo em si.

Misturando gêneros

Justaposição é uma das minhas palavras favoritas ao descrever Dredge. A justaposição dos gêneros de horror cósmico e jogo de pesca é umas das coisas os jogadores adoram. Combinamos muitas funcionalidades, mecânicas e conceitos que normalmente não existiriam juntos no mesmo jogo.

Tínhamos o objetivo de criar algo novo, inesperado e imprevisível – e que melhor maneira de evocar esse senso de horror cósmico do que mergulhar no desconhecido?